segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Várias faces


O corpo arrepia-se. A espinha arde e eu pisco lentamente. Chove há três dias sem parar. Aqui estou de novo. Sento-me na frente desta tela modorrenta, no mesmo quarto de sempre. Vivo o meu mundinho. Leio algumas coisas e ouço outras. Tento me distrair daquela velha sensação - o vazio que arde na alma.
O mundo lá fora parece ser lindo - se for analisado como um quadro na parede.
O mar com suas ondas arrebentando nas areias da praia, agora já resfriadas pela noite.
Ou talvez, penumbra, feio - centenas de bandidos assaltam pessoas, umas morrem, e a morte é tão banal, quanto acender um cigarro no trânsito “a tal da ultraviolencia”. Algumas mulheres nesse momento em que escrevo, estão sendo estupradas, e ninguém sabe de nada. Beatriz não chegará viva essa noite - como de rotina. Sua próxima estada é o cemitério. Amanhã o jornal falará por ela.
Sinto que já estou velha, que passei da medida. Por volta dos meus 85 anos. Sinto as rugas, o corpo frágil, o mal–humor muito presente. Hoje analiso mais, e parece que a vida no final das contas, é uma grande peça de teatro, um espetáculo sem fim. A cortina abre e fecha sem parar. A cada momento, um artista apresenta um novo personagem desconhecido. Hoje sou Maria, vivo aqui há 85 anos, neste planeta chamado terra, tenho duas filhas, e fico observando elas viverem tudo que um dia já vivi.
Amanhã serei a Cláudia, acordarei às 5 da matina, pegarei o ônibus às 6. Por volta da meia noite estarei em casa, meu tempo livre é 4 horas de sono mal dormidas.
Fecha- se a cortina, abre-se mais um dia.
Hoje sou a Lúcia, tenho as duas pernas amputadas, e não enxergo, sofri um acidente quando tinha 16 anos, e desde então estou viva - se é que posso chamar isso de vida.
A vida passa e fica diante das cortinas. Umas chegam no palco sem ao menos saber atuar, outras passam a vida toda aprendendo. Algumas já sabem sem sequer ter aprendido. E todas são a mesma. A Beatriz. A Maria. A Cláudia. Todas são a mesma mulher. Ou o mesmo homem.
Todos temos uma imensidão de pessoas dentro de nós. Uma vastidão de pensamentos, idéias, dualidades, sonhos, contradições.
Cássia sou eu, é você, é a mulher sentada ao seu lado no cinema. É a “certinha” que vai ao culto todos os dias, não fuma, não bebe, não fala besteira. E que no final da noite “vira a louca” que bebe todas e beija a balada inteira- sem se lembrar de nada no dia seguinte.
Somos todas, muitas vezes não somos nenhuma. Tentamos ser a vida toda alguém, e descobrimos no final das contas que não somos ninguém. Ninguém vive. Ninguém morre. Ninguém é feliz. Apenas estamos tentando. Vivendo, morrendo, aprendendo e sorrindo. O sentimento é passageiro, a vida é passageira, a morte é passageira, eu sou passageira, você também. Estamos no mesmo barco, no mesmo navio, no mesmo avião. Indo pra não se sabe onde. Vivendo não se sabe como. Buscando não se sabe o que. Somos várias mulheres, e alguns homens também, mas estamos sozinhos ainda assim.
Somos um, e ao mesmo tempo dois.
Somos três, quatro, cinco. Somos seis. Somos tudo. Somos nada. Ninguém é apenas uma pessoa. Não se define como “o tal”-o politicamente correto. Nem como o bandido. Somos os dois.
O resto são apenas valores conservadores e estagnados no tempo - que rotulam a dualidade como dupla personalidade.

Maynna Delle Donne

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Angústia exaustiva


Sentada num quarto escuro, no chão.
Abandonada.
Enclausurada.
Sombria.
Calada.
Escrava do tempo- ditado por sentimentos fúteis e passageiros.
Tudo funcionando.
O corpo respira.
O coração bombeia.
O sangue corre nas veias.
Os olhos piscam compulsivamente.
A boca saliva.
Os passos procuram a estrada.
Patologicamente normal, fisiologicamente viva.
E a alma?
O mais obscuro de mim, o recheio do ser humano.
A imensidão.
A sensação de expansão.
A energia ativa.
Cadê?
Onde foi parar o sentimento que preenche o homem- se é que algum dia ele existiu.
O que existe em mim, é apenas procura.
Apenas perguntas.
Apenas angústia.
Apenas dor.
A única forma plausível de resposta existente- é a dor de que não existe respostas.
Por mais que seja procurada, questionada e reinventada.
A resposta tem caráter ambíguo-isso quando encontrada.
Pois em sua maioria, ela sempre será a sombra, o escuro, o medo.
Resumir a vida em orgânica à torna objetiva, e isso ela nunca foi.
A vida é tão subjetiva que elimina doses de superficialidade.
Doses simplistas.
Sem respostas, o que me resta é a inquietação.
A dúvida constante e permanente que transborda o pensamento.
Que enforca a alma.
Me tornando cética e patética. Sentimentalista.
Sentimentalismo latente causado pela minha angústia- que é como qualquer sensação- efêmera.
Não existe SER, existe ESTAR.
Estou angustiada.
Maynna Delle Donne